A perda de Ziraldo é enorme para o Brasil, para a literatura brasileira e para a literatura infantil. O Ziraldo era um dos grandes, um dos maiores do Brasil como escritor, artista, e combatente na resistência democrática. Era um artista completo, desenhista, ilustrador, escritor, jornalista, autor de histórias que marcaram gerações e vão continuar marcando.
Eu era amiga do Ziraldo, nasci na mesma cidade que ele, Caratinga, em Minas Gerais, meu pai Uriel foi professor dele. Ele esteve sempre na minha vida, desde a infância. A revista "A turma do Pererê "marcou a infância da minha geração construindo valores da inclusão e da diversidade do Brasil. Havia na "A turma do Pererê" referências brasileiras, mineiras, caratinguenses. Havia crianças negras, indígenas e brancas brincando juntas, animais da fauna brasileira. Assim ele via o Brasil, como um todo, e nunca em partes.
Quando ele fez 80 anos, Caratinga fez uma homenagem a ele. Eu estava no palanque. Todas as crianças da cidade desfilaram de todas as escolas, e cada escola representando e carregando um livro dele. As escolas se vestiram dos livros do Ziraldo. Era lindo ver aquele mar de crianças e mar de livros.
Quando ele foi homenageado pela Nenê da Vila Matilde como o enredo do carnaval, também a escola de samba se vestiu de livros, histórias, diversidade, liberdade. Ele representava todos esses valores.
Ele usou seu humor maravilhoso também como arma na luta contra a ditadura. O "Pasquim" era isso, um oásis naquele momento terrível, mas que usava o humor como parte da resistência, como forma de desmoralizar os que suprimiram a liberdade do país. O Jornal "Pasquim" foi uma grande resistência, uma trincheira na qual ele trabalhou como um dos diretores e como um cartunista, e ele sempre militou na luta contra a ditadura.
Foi isso, foi essa coerência democrática, os traços dele que desdenhavam da ditadura, dos militares. Foi um jornal que fez história no Brasil, na imprensa alternativa, e seus jornalistas acabaram todos presos e o jornal foi fechado.
A ditadura durou 21 anos, e dela estamos nos lembrando nesses dias. Foi uma longa caminhada até o fim daquele pesadelo. Ziraldo foi um farol. Ele nunca desistiu, nunca aceitou a ditadura, e desta forma ajudou o país a fazer a travessia.
Na literatura infantil, as crianças sempre amaram o Ziraldo, com elas ele sempre se conectou. E se transformou num fenômeno literário, basta lembrar as bienais do livro nas quais o Ziraldo ia. Os pavilhões ficavam repletas de leitores.
"O Menino Maluquinho" é uma grande obra dele, que marcou a vida de várias gerações. E qual era a mensagem? A mensagem é: vamos brincar gente, vamos ser maluquinhos, vamos ser felizes, vamos brincar, vamos incluir cada lado do Brasil. E aos adultos avisava: vamos combater a ditadura, vamos ser a favor da democracia, a favor da inclusão, a favor desse mundo democrático e diverso.
Isso foi Ziraldo, um artista genial, múltiplo, uma pessoa que construiu valores, que cabe a nós agora preservar e passar adiante.
Ziraldo nos deixa nesse momento, fisicamente, mas sua obra vai inspirar muitas outras gerações, porque seus livros, suas obras estarão conosco nos indicando o caminho a andar para ter um Brasil mais diverso, inclusivo e democrático.
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